Lula: BRICS não querem ser contraponto a G7 ou G20, mas propor multilateralismo mais representativo

Durante entrevista semanal nas redes sociais, presidente defende ampliação do número de membros permanentes no Conselho de Segurança da ONU e afirma que países do Sul Global merecem maior protagonismo

Ao defender o papel do BRICS na ampliação do multilateralismo nas discussões políticas e econômicas globais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reforçou, nesta terça-feira (22/8), em Joanesburgo, que a parceria entre as nações do bloco (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) não representa ameaça ao G7 ou ao G20. O primeiro é o grupo dos países mais industrializados do mundo, composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido. O segundo é o grupo formado pelos ministros de finanças e chefes dos bancos centrais das 19 maiores economias do mundo e mais a União Europeia.

“A gente não quer ser contraponto ao G7. A gente não quer ser contraponto ao G20. A gente não quer ser contraponto aos Estados Unidos. A gente quer se organizar. A gente quer criar uma coisa que nunca teve, que nunca existiu”, frisou Lula, durante o programa Conversa com o Presidente, transmitido diretamente da África do Sul nesta terça-feira, 22/8.

Ao analisar o papel do BRICS e as discussões que devem pautar o encontro entre os líderes reunidos na África do Sul, o presidente brasileiro afirmou que muitas das instituições multilaterais que hoje estão estabelecidas necessitam de adaptações e que o BRICS pode ser capaz de trazer um novo horizonte.

“O BRICS não pode ser um clube fechado. O G7 é um clube fechado. Mesmo quando o Brasil chegou à sexta economia do mundo, a gente era convidado, não participante. O G7 é o clube dos ricos. Não queremos isso. Queremos criar uma instituição multilateral e que a gente possa propor algo diferente”, explicou Lula.
 

Para isso, ele citou o caso da ONU e defendeu que a instituição amplie seu poder de governança para que as decisões, em especial as ligadas às questões climáticas, possam ser, de fato, implementadas.

“Temos quase 100 anos de funcionamento das instituições multilaterais. Algumas funcionaram e hoje não funcionam mais. Hoje, a ONU tem pouca representatividade. Precisamos utilizar a ONU para tentar encontrar paz no mundo. A ONU precisa ser forte. Se a ONU não tiver um poder de governança, a gente não resolve a questão climática. É preciso ter uma governança mundial que em determinadas circunstâncias decida e que a gente seja obrigado a cumprir. Por exemplo: o Acordo de Paris ninguém cumpre, o Protocolo de Kyoto, ninguém cumpre. Então, estabelecer regras para que sejam verdadeiras as nossas reuniões”.
 

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CRESCIMENTO E OMC – Para falar sobre a importância do BRICS, Lula usou como o exemplo o crescimento das relações comerciais entre o Brasil e as outras nações integrantes. “Em 2009, a relação do Brasil com os países do BRICS era 48 bilhões de dólares. Em 2022, foi para 178 bilhões de dólares, um crescimento de 370%. É uma demonstração de como é que as coisas funcionam”, afirmou.
 

Em outra demonstração de que o multilateralismo pode ser eficiente se for bem praticado, o presidente brasileiro voltou a defender o retorno da Organização Mundial do Comércio (OMC) nas discussões econômicas internacionais.
 

“Quanto melhor for a relação de um país com outro, mais chance a gente tem de fazer bons acordos. E os bons acordos não são aqueles em que um ganha e o outro perde. O bom acordo é aquele em que os dois ganham. Esse é o mundo dos negócios que queremos criar. É por isso que o Brasil briga pela volta da OMC. Somos favoráveis a que, quanto mais instituições multilaterais tiverem, que participem todos os países, melhor”.

MOEDA COMUM – Ainda sobre comércio, Lula ressaltou que é favorável à criação de uma moeda comum na relação com outros países, de modo que a dependência do dólar possa ser flexibilizada.
 

“Nós defendemos a questão de uma unidade de referência. Na verdade, é uma moeda que seja referência de fazer negócio para que você não precise de uma moeda de outro país. Por que preciso ter dólar para fazer negócios com a China? O Brasil e a China têm tamanho suficiente para fazer negócios nas suas moedas ou em outra unidade que a gente possa fazer, sem desvalorizar a moeda da gente e sem negar. Ela continua existindo”, destacou.
 

“O que é importante é que a gente não pode depender de um único país que tem o dólar, de um único país que bota a maquininha para rodar dólar, e nós somos obrigados a ficar vivendo da flutuação dessa moeda. Não é correto”, prosseguiu o líder brasileiro.

SUL GLOBAL – O termo Sul Global é usado para se referir a diversos países localizados na parte sul do hemisfério que, muitas vezes, são descritos como “em desenvolvimento”. O presidente Lula também analisou essa situação e disse que as discussões do BRICS podem ajudar a guiar o processo de fortalecimento político e econômico dessas nações.
 

“A gente sempre foi tratado como se fôssemos a parte pobre do planeta, como se não existíssemos. Sempre fomos tratados como se fôssemos de segunda categoria. E, de repente, a gente está percebendo que podemos nos transformar em países importantes”, ressaltou Lula.

“Se você falar da questão climática, quem é que tem força hoje para negociar? É o Sul Global. São os países da parte de baixo do globo terrestre. Se falar de minérios, vai perceber que é o Sul Global que tem. Se quiser falar de possibilidade de desenvolvimento, de possibilidade de crescimento, é o Sul Global. Estamos apenas dizendo: ‘Existimos, estamos nos organizando e queremos sentar numa mesa de negociação em igualdade de condições com a União Europeia, com os Estados Unidos, com todos os países. O que a gente quer é criar novos mecanismos que tornem o mundo mais igual do ponto de vista das decisões políticas”.

Lula voltou a citar o exemplo do Conselho de Segurança da ONU e questionou por que o Brasil e outros países como Índia, África do Sul, Alemanha, não podem fazer parte como membros permanentes. “O BRICS significa isso. O BRICS não significa tirar nada de ninguém. Significa uma organização de um polo forte, que congrega muita gente. Se entrar a Indonésia, com mais 200 milhões de habitantes, vamos ter mais da metade da população (do mundo) participando dessa organização. E isso é importante porque vai permitir que a gente tenha um certo equilíbrio nas discussões”.

Foto: Ricardo Stuckert

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